Trazendo-lhe as últimas investigações sobre Ellen G. White
Muitos falsos profetas têm saído pelo mundo.
1 João 4:1 "Estes livros... suportam a prova da investigação" |
Estranhos Usos e Costumes dos Pioneiros da Fé Adventista
Desmaios “espirituais”, gritos de “louvor” e línguas
estranhas (com interpretação simultânea pelo proferidor, ou não), estão entre
mais alguns dos dados e fatos que surpreendem os adventistas interessados em
conhecer a história denominacional em seus pormenores não tão gloriosos. É o
caso de certos episódios históricos que não aparecem nas publicações oficiais
mas que nos ajudam a melhor entender o espírito do tempo dos pioneiros, seus
escorregões em atitudes e entendimento, suas dificuldades em manter o
equilíbrio, mas também seus indiscutíveis avanços na peregrinação espiritual
como povo portador de solene mensagem para o mundo.
Além dos almoços gordurentos,
tendo como atração principal um suculento prato de leitão assado, o hábito de
fumar por honoráveis líderes de congregações adventistas e os trabalhos
seculares nos sábados antes do pôr-do-sol (mas após as 6 horas), também algumas
importantes reuniões dos adventistas dos primeiros tempos pareceriam por demais
estranhas para os membros modernos da Igreja.
O primeiro de uma série de
artigos denominada “Os Adventistas do Sétimo Dia e as Experiências
Carismáticas”, publicada na Revista Adventista iniciada na edição de
novembro de 1973, teve por título “Línguas nos Primórdios de Nossa História”. A
série é de autoria do Pr. Arthur L. White, neto da Sra. White, por anos
responsável pelo White Estate, nome em inglês do departamento denominacional
traduzido ao português em geral como Patrimônio Literário de Ellen G. White.
Diz ele na introdução à série:
Experiências de
êxtase religioso não eram ocorrências raras entre cristãos sinceros de 1830 e
1840. Alguns daqueles que posteriormente se tornaram nossos antepassados
espirituais, estiveram envolvidos nelas. Tais experiências podem ser
consideradas sob os seguintes aspectos: (1) prostração física; (2) exclamação
de louvores a Deus; (3) falar em línguas desconhecidas; (4) cura divina.
E o autor da série acrescenta:
Ao olharmos para
trás desde a nossa atual posição, parece haver convincente evidência de que
algumas dessas experiência foram genuínas. Há também evidência de que algumas
não passavam de contrafações ou eram autoprovocadas em períodos de excitação.
Os casos de “prostração
física” parecem comuns no que diz respeito à experiência da Sra. Ellen White.
Mesmo antes de ser reconhecida como mensageira especial à igreja pelo dom de
profecia, a Sra. White já havia experimentado esse tipo de manifestação, e de
tal vigor que nem pôde ir para casa, permanecendo no templo até o dia seguinte.
Recorda ela:
Inclinei-me
tremente durante as orações que eram oferecidas. Após alguns poucos terem
orado, alcei minha voz numa prece antes que me desse conta disso. . . . Louvei ao Senhor desde as profundezas
de minh’alma. Tudo parecia extinguir-se perante mim, exceto Jesus e Sua glória,
e perdi a consciência do que se passava em torno. O Espírito de Deus permaneceu
sobre mim com tal poder que me foi impossível ir para casa naquela noite”. –Testimonies,
vol. 1, pág. 31.
Ela descreve um sentimento de
profunda paz e alegria como resultado dessa estranha experiência de ficar toda
uma noite na igreja.
Noutra ocasião, ainda nesses
tempos de pioneirismo milerita, a Sra. White não só vivenciou outros episódios
de profunda prostração, mas testemunhou outros passando pelo mesmo:
. . . enquanto os
congregados se dedicavam à oração, o Espírito do Senhor Se manifestou na
reunião e um dos membros . . . ficou prostrado como morto. Seus parentes
ficaram chorando em torno dele, esfregando suas mãos e aplicando-lhe
revigorantes. Por fim, adquiriu força suficiente para louvar a Deus, e aquietou
seus temores exclamando com triunfo que recebera sobre si o poder de Deus de
maneira assinalada.
E mais uma vez, o estranho
“plantão noturno” ocorreu: “O jovem foi incapaz de retornar para casa naquela
noite”. Ibid., págs. 44 e 45.
Logo mais, é narrado outro
episódio de um “robusto homem, devoto e humilde cristão” que “caiu diante de
seus olhos, dominado pelo poder do Alto, e o compartimento foi cheio do
Espírito Santo”. Como esse compartimento ficou assim “cheio do Espírito Santo”
não é explicado, mas o fato, diz ainda o Pr. White, é que tais experiências
“repetiam-se vez após vez. E houve ocasiões em que outros, sob a influência do
Espírito Santo, ficaram prostrados”.
O Pr. White refere-se a mais
uma descrição pela Sra. White de um estranho episódio de imposição de mãos
acompanhada de prostração física, logo após o casamento dela em 1846:
Muitas orações
foram oferecidas ao Senhor em meu favor, contudo pareceu bem ao Senhor provar
nossa fé. Após outros terem orado, o irmão Henry [Nichols] começou a fazê-lo.
Parecia inteiramente subjugado, e com o poder de Deus jazendo sobre si,
ergueu-se de sobre os joelhos, atravessou o quarto e, depondo as mãos sobre
minha cabeça, disse: “Irmã Ellen, Jesus Cristo a torna sã”. A seguir, caiu
prostrado pelo poder de Deus. Acreditei que aquilo fora obra de Deus e a dor me
deixou.— Spiritual Gifts, vol. 2, pág. 84.
O artigo ainda registra que
pouco depois desse incidente, noutra reunião de oração, “o Espírito veio, e
tivemos uma poderosa manifestação. O irmão e a irmã Ralph ficaram ambos
prostrados e permaneceram dominados por algum tempo”. – Carta 1, 1848.
Mas uma vez fica-se a imaginar
o que, em termos práticos, essa “poderosa manifestação” poderia significar, bem
como o estarem marido e mulher “dominados por algum tempo”. O fato é que
aquelas reuniões estariam mais próximas do que se passa no ambiente pentecostal
de nossos dias do que nas reuniões, em geral, bem-comportadas de igrejas
adventistas. E se o grau de espiritualidade dever ser medido pelo número de pessoas
que experimentam as síncopes descritas, estaremos em má condição. Hoje em dia,
se durante um culto pessoas começarem a desabar ao chão, como no caso desses
pioneiros da fé adventista, em lugar de se louvar a Deus o que se há de fazer é
correr ao telefone para chamar um médico. . .
Além de gente tendo esses
desmaios “espirituais”, também alguma gritaria não parecia perturbar a ordem
dos cultos da época. A Sra. White assim descreve de um desses “abençoados”
encontros:
Nossa assembléia de
Topsham foi de profundo interesse. Vinte e oito pessoas participaram da
reunião. No domingo, o poder de Deus veio sobre nós como um poderoso vendaval.
Todos se levantaram sobre os pés e louvaram a Deus em alta voz. . . . As vozes
de choro não podiam ser discernidas das vozes de júbilo. Foi uma ocasião
triunfante. . . – Carta 28, 1850.
O Pr. Arthur White procura dar
uma interpretação sóbria a tais episódios: “Os registros publicados e não
publicados, em anos subseqüentes, indicam que, em certas ocasiões de especial
derramamento do Espírito de Deus, os santos uniam-se em expressões de louvor a
Deus”.
Novamente, se o grau de
espiritualidade e do “derramamento do Espírito de Deus” se há de avaliar pelos
decibéis das “expressões de louvor”, nosso desempenho como igreja hoje estará
deixando muito a desejar. Caso nossas reuniões modernas se caracterizassem por
gritos de louvor acompanhados de choro, e gente sendo arrojada ao chão, iríamos
é assustar visitantes e membros regulares em nossas igrejas, até mesmo aqueles
tradicionalistas que suspiram pelos “bons tempos” de espiritualidade dos
pioneiros da fé adventista.
Contudo, o mais surpreendente
para muitos poderá constar do parágrafo seguinte do referido artigo pelo Pr.
Arthur White:
Há em nossa
história dos primeiros tempos, quatro experiências registradas quanto ao falar
em línguas. A primeira teve lugar em 1847, aparentemente com o fim de conduzir
um jovem ao ministério. A segunda, em 1848, envolve um ponto doutrinário. A
terceira, em 1849, representou direção para o esforço missionário, e a quarta,
em 1851, refere-se a um relato descrevendo o testemunho do Espírito Santo
quando manifestava “a presença e poder de Deus”.
Ao dar mais detalhes desses
episódios, o Pr. White garante: “As primeiras experiências de glossolalia de
que temos registro estão relatadas num depoimento assinado por crentes
pioneiros de inquestionável integridade, conhecidos por sua respeitabilidade
como membros de responsabilidade na igreja”.
De um documento arquivado no
White Estate o Pr. White transcreve o seguinte testemunho:
Nós também podemos
testificar da manifestação do dom de línguas, ao nos acharmos numa reunião em
North Paris, Maine, talvez em 1847 ou 1848. Foi uma reunião geral. O irmão e a
irmã White estavam presentes e também os irmãos Ralph e Chamberlain, de
Connecticut, bem como outros. Ao desenvolver-se a reunião, o Espírito de Deus
manifestou-se numa maneira especial. O irmão Ralph falou numa língua
desconhecida. Sua mensagem foi dirigida ao irmão J. N. Andrews: de que o Senhor
o chamara para trabalhar no ministério evangélico e de que precisava
preparar-se para isso. O irmão E. L. H. Chamberlain imediatamente levantou-se e
interpretou o que ele havia dito. – Sra. S. Howland, Sra. Frances Howland Lunt,
Sra. Rebeckah Howland Winslow, N. N. Lunt, Battle Creek, Michigan (Doc. 311).
Outra experiência foi de 1849
envolvendo Hirão Edson, aquele da “visão” no milharal na madrugada de 22 para
23 de outubro de 1844. Ele narra sua experiência com S. W. Rhodes para a
publicação adventista Present Truth de dezembro de 1849. Esse Rhodes
havia se isolado de todos após o desapontamento de 1844, escondendo-se nos
bosques do Estado de Nova York onde passara a viver de caça e pesca e pequena
horta. Hirão Edson foi por duas vezes procurá-lo no intuito de convencê-lo a
sair daquele isolamento e voltar a unir-se a seus irmãos, todavia ambas as
tentativas foram inúteis.
Antes de tentar uma terceira
vez, Edson expôs a situação a alguns irmãos que resolveram orar a respeito. O
irmão Edson conta o que se passou então:
O irmão Ralph pediu
ao Senhor em segredo, que derramasse Seu Espírito sobre nós e, caso fosse Sua
vontade, que procurássemos o irmão Rhodes.
O Espírito foi
derramado, e permaneceu entre nós, de modo que o ambiente ficou tremendo e
glorioso. Enquanto inquiria o Senhor se Ele enviara Seu servo até ali para que
fosse comigo em busca do irmão Rhodes, nesse instante o irmão Ralph
manifestou-se numa nova língua, desconhecida de todos nós. Depois veio a
interpretação—“Sim, para ir contigo”. – Present Truth, dezembro de 1849,
pág. 35.
Segundo afirma o autor dos
artigos, a Sra. White manifestara dúvidas quanto à iniciativa e as línguas, mas
tendo recebido uma visão confirmando a validade do novo contato com o afastado
irmão, o projeto foi levado avante. Após tentarem convencer Rhodes quanto a
retornar à civilização, eis o que se deu, segundo o articulista:
Houve, mais uma
vez, o falar em nova língua. Hirão Edson, uma testemunha visual, relata: “Deus
exibiu Seu convincente poder, e o irmão Ralph falou numa nova língua, dando-lhe
a interpretação em poder e na revelação do Espírito Santo”. – Ibid.,
pág. 36.
O episódio parece ter
impressionado sobremaneira o desapontado eremita adventista e o convenceu a
retornar ao convívio de seus irmãos. O Pr. Arthur White ressalta que tal
experiência foi registrada no órgão de grande circulação dos adventistas, o Present
Truth, e assegura: “Sua autenticidade não é questionada”, para acrescentar:
“Não nos é revelado se a ‘nova língua’ falada pelo irmão Ralph foi um idioma
conhecido ou não”.
Mais uma vez, esse irmão Ralph
é o que proferia a língua estranha, mas diferentemente do que se dera na
primeira ocasião, quando outro deu a interpretação, neste episódio ele mesmo
falou e traduziu. Não está claro se no segundo episódio, quando “depois veio a
interpretação”, esta partiu do proferidor da língua estranha ou de outro
intérprete.
Finalmente, um quarto episódio
de línguas, desta vez em Vermont, verão de 1851, é referido na Review and
Herald numa carta escrita para Tiago White pela irmã F. M. Shimper. Eis
como é descrito o episódio:
Ela [a Sra.
Shimper] fala da profunda experiência da igreja de East Bethel, no Vermont, e
conta que o Senhor havia recentemente enviado “e abundantemente abençoado os
labores de Seu servo, irmão Holt, entre nós. Após batizar seis dentre nosso
número, nosso querido irmão Morse foi separado com a imposição de mãos, a fim
de administrar as ordenanças da casa de Deus. O Espírito Santo testemunhou pelo
dom de línguas, e solenes manifestações da presença e poder de Deus. O lugar
estava solene, contudo glorioso. Nós sentimos realmente que “nunca o vemos
deste modo”. – Review and Herald, 19 de agosto de 1851.
Nesta ocorrência não é dito
quem exatamente falou em línguas, ou quantas pessoas o fizeram. Também nada é
dito sobre interpretação dessas línguas ou o que, em termos práticos,
significaria novamente a descrição do ambiente, isto é, essas “solenes
manifestações da presença e poder de Deus” e o que está exatamente contido na
descrição de que “O lugar estava solene, contudo glorioso”. Seria interessante
saber o que queriam dizer com tal linguagem, quais evidências se teriam dessas
supostas manifestações da presença divina. O modo subjetivo como isso é
expresso deixa um ar de mistério e interrogações profundas que tornam difícil
avaliar a validade de tais alegações.
Falando sobre a atitude da Sra
Ellen White quanto a esses episódios de línguas, os comentários do Pr. White
parecerão um tanto enigmáticos:
Não há registro de
Ellen White dando explícito apoio, ou expressando endosso a experiências
extáticas com línguas desconhecidas, embora fosse testemunha visual de três
dentre quatro de tais ocorrências. Ela provavelmente manteve-se em silêncio ao
acompanhar o desenrolar do caso do irmão Rhodes. Mesmo o falar em línguas pelo
irmão Ralph não logrou convencê-la. Posteriormente, foi-lhe mostrado que o
pensamento e sentimentos de uma pessoa têm grande influência sobre essas experiências.
Afinal, a Sra. White
reconheceu ou não a validade das referidas experiências de línguas? Isto não
parece claro pelo que se lê neste último parágrafo. Mais tarde ela condenou de modo claro experiências nessa linha,
como o que vinha ocorrendo em Portland, Maine, onde eclodiu um movimento de
marcação de datas associado a manifestações carismáticas de línguas, dançar no
Espírito e contorcer-se no Espírito. A Sra. White expressou-se claramente
contra tal movimento declarando que as línguas ali faladas eram uma “língua
desconhecida, desconhecida não só ao homem, mas ao Senhor e a todo o Céu”.
Ainda segundo ela, seriam episódios “manufaturados por homens e mulheres
ajudados pelo grande enganador”, como se pode ler no Vol. 1 de Testemunhos
Seletos, págs. 161 a 163.
As descrições da ambientação
altamente mística, espiritual, “triunfante”, “gloriosa”, de “manifestação do
poder de Deus”, etc. podem levar-nos a crer que confirmariam o que declarou um
pesquisador português dessas questões. Ernesto Sarmento, em matéria publicada
na Internet, afirma que “na época as reuniões [adventistas] eram barulhentas,
com muitas manifestações desorientadas e atrevidas, excessos e extremismos
próprios da infantilidade espiritual (onde se gritava, andavam de gatas,
proferiam sons e imitações esquisitas)”.
Um acontecimento que
confirmaria o caráter pouco ortodoxo das reuniões dos primeiros tempos do
adventismo seria o famoso episódio de Israel Dammon. A divulgação da
documentação a respeito do que se passou realmente na oportunidade, por Bruce
Weaver em 1986, foi considerada “a descoberta de documento histórico adventista
do século”.
Trata-se de uma reunião
espiritual ocorrida na casa de Israel Dammon, caracterizada por tal confusão,
gritaria e exageros que vizinhos tiveram que pedir a intervenção das
autoridades policiais do lugar. Eis a versão da Sra. White descrevendo o que se
passou com a chegada do delegado:
. . . enquanto eu
falava, dois homens espiavam pela janela. Estávamos seguros de suas intenções.
Entraram e passaram rapidamente a meu lado até alcançar o Ancião Damman [sic].
O Espírito do Senhor posou sobre ele, e sua força desapareceu, e caiu ao solo
indefeso. O oficial exclamou: “Em nome do estado do Maine, agarrem este homem!”
Dois homens o agarraram pelos braços, e outros dois pelos pés, e tentaram
tirá-lo da habitação arrastado. Só o moveram uns poucos centímetros e logo
saíram da casa. O poder de Deus estava nessa habitação, e os servos de Deus,
com seus semblantes iluminados por sua glória, não ofereciam resistência. Os
esforços para tirar o Ancião D. se repetiam com o mesmo resultado. Os homens
não podiam suportar o poder de Deus, e era um alívio para eles sair da casa. O
número deles aumentou até doze, e ainda o Ancião D. foi retido pelo poder de
Deus por uns quarenta minutos, e nem sequer toda a força daqueles homens podia
movê-lo do piso onde jazia indefeso. No mesmo momento, todos sentimos que o
Ancião D. tinha que ir-se, que Deus havia manifestado seu poder para sua
glória, e que o nome do Senhor seria glorificado mais se deixássemos que fosse
levado dentre nós. E aqueles homens o levantaram tão facilmente como se levanta
uma criança, e o levaram. – Spiritual Gifts, Vol. 2, pp. 40-41.
Assim analisa a situação o
pesquisador referido:
Ellen entendeu tudo como uma impressionante intervenção sobrenatural,
mas é bem provável que naquele ponto, no meio da confusão, e estando ela
própria sob influências espúrias entende-se as coisas desse modo. Ela não foi
uma testemunha idônea do sucedido, pois, repetimos, estava naquelas alturas
influenciada pelo caos e a desordem ali instaladas. O seu dom espiritual fora
abafado e descontrolada repetia coisas insensatas.
Devemos compreender que Ellen estava então na mamadeira espiritual, era
uma criancinha inexperiente, que começava a dar os primeiros passos. Envolvida
num clima emocionalíssimo e descontrolado é perfeitamente admissível que tenha
incorrido em extremismos e delírios extravagantes. Aliás, quando lemos pela
primeira vez os testemunhos idôneos daqueles que testemunharam perante o
tribunal da época, imediatamente percebemos que se tratava de uma situação
muito semelhante ao que sucedera nos dias de Paulo com os crentes de Corinto.
Se não entendermos que até mesmo o exercício dos dons dependem da maturidade
dos sujeitos que os experimentam, que se exige um auto-controle, certo domínio
e portanto aprendizagem, como vamos entender aquilo que Paulo disse sobre
situação similar aos coríntios?
De fato, a documentação refente aos relatórios policiais do episódio são
bem diversos da avaliação triunfalista da Sra. White. Vejamos como o
pesquisador Sarmento expõe o que então realmente se passou:
Bruce Weaver, estudante de pós-graduação do Seminário da Universidade
Andrews descobriu um informe jornalístico (no Piscataquis Farmer) acerca
da detenção e julgamento de Israel Dammon, um dos adventistas e amigos de Ellen
White. Ele descobriu que o artigo do jornal divergia da versão dada pela irmã
White. Ellen tinha dado uma perspectiva adaptada dos acontecimentos, uma
leitura parcial, omitindo muitos detalhes. No meio de tanta confusão é certo
que não presenciou todos os detalhes. É igualmente possível que
propositadamente tenha calado muitos pormenores. Vamos reconstituir os fatos.
Regressamos a 1845.
Logo após o desapontamento gerou-se entre os adventistas grande confusão
religiosa, o fanatismo e o culto emocional. O culto era principalmente
doméstico (em lares privados), e as reuniões incluíam fenomenologia
“carismática”, onde se destacavam o “ósculo santo” como saudação, gritos
latidos e cantos em voz alta, prostrações físicas (rebolar-se pelo chão,
gatinhar, dar pulos, arrastar-se, etc.), batismos múltiplos por imersão, visões
(principalmente eram as mulheres que as experimentavam).
Sucedeu que no
sábado, 16 de Fevereiro, Ellen chega à cidade, procedente de uma reunião em
Exeter, no Maine, onde suas visões ajudaram a convencer a Irmã Durben de que
aceitasse a doutrina da porta fechada (como já se referiu acima) [Ver artigo
39, “O Episódio da ‘Porta Fechada’” de nosso Catálogo de temas]. Na tarde de
sábado, os crentes adventistas reuniram-se na casa de Ayer em Atkinson, Maine.
Israel Dammon dirigiu a reunião. Estavam presentes as visionárias Dorinda Baker
e Ellen Harmon. O Pr. Tiago White também estava presente. O que aconteceu nessa
tarde de sábado?
Privilegiamos in
limine o depoimento de William Crosby, um advogado de 37 anos, o qual no
tribunal dois dias mais tarde disse: “Às vezes falavam todos de uma vez,
gritando a todo pulmão. . . uma mulher jazia de costas no solo, com uma
almofada sob a cabeça; de quando em quando se levantava, e contava uma visão
que lhe havia sido revelada. . . . Foi a reunião mais ruidosa a que jamais
assisti - não havia ordem nem regularidade, nem nada que se parecesse com
alguma outra reunião que eu tivesse freqüentado. . .” – Piscataquis Farmer,
7 de mar. de 1845 (in Bruce Weaver, Adventist Currents, “The Arrest and
Trial of Israel Dammon”, Vol. 3, Nº. 1, 1988).
Outro testemunho é
o do diácono Tiago Rowe: “Estava na casa de Ayer por um pouco no domingo
passado à noite. . . . Fui jovem, e agora sou velho, e em todos os lugares em
que estive, nunca vi tal confusão, nem sequer numa farra de bêbados.” – Ibid.
Loton Lambert, que
esteve presente na reunião deu o seguinte testemunho juramentado no tribunal:
“Estavam cantando quando eu cheguei - depois de cantar sentaram-se no solo -
Dammon disse que uma irmã tinha uma visão para contar - então uma mulher no
solo relatou sua visão. Dammon disse que todas as denominações eram de ímpios -
mentirosos, libertinos, assassinos, etc.; também criticou a todos os que não
eram crentes como ele. Ordenou que saíssemos. Ficamos. Dammon e outros chamavam
Imitação de Cristo à mulher que jazia no solo relatando visões. Dammon nos
chamou de porcos e diabos, e disse que se fosse o dono da casa nos expulsaria -
a mulher a quem chamavam Imitação de Cristo disse à Sra. Woodbury e a outros
que deviam abandonar todos os seus amigos ou ir para o inferno. Imitação de
Cristo, como a chamavam, permanecia no solo um pouco, depois se erguia, chamava
a alguém, e dizia que tinha uma visão que contar-lhe, o que então fazia. Havia
uma garota que diziam dever ser batizada naquela noite ou iria para o inferno.
Ela chorava amargamente, e queria ver primeiro a mãe; disseram-lhe que tinha
que abandonar sua mãe ou iria para o inferno - uma voz disse: Deixem que se vá
para o inferno. Ela finalmente foi batizada. Imitação de Cristo contou sua
visão a uma prima minha, de que devia ser batizada naquela noite ou iria para o
inferno–ela objetou porque já havia sido batizada uma vez. Diziam que Imitação
de Cristo era uma mulher de Portland.” – Ibid.
Tiago Ayer,
confirmou ante o tribunal que a visionária a quem Lambert se referia como
“Imitação de Cristo” era Ellen Harmon: “Vi a mulher com uma almofada sob a
cabeça - o seu nome é Srta. Ellen Harmon, de Portland. Não a ouvi nem a
qualquer outra pessoa dizer algo acerca de Imitação de Cristo.” – Ibid.
A outra visionária
era Dorinda Baker, a qual tinha uma saúde muito precária (como Ellen). A
testemunha Joshua Burnham diz acerca dela: “Conheço a Srta. Dorinda Baker desde
que ela tinha cinco anos–tem bom caráter—agora tem vinte e três ou vinte e
quatro anos de idade. É uma moça muito doentia, seu pai gastou U$1.000 com
médicos. Eu estive na reunião do sábado à noite—foi convocada para que a jovem
contasse suas visões.” – Ibid.
Tão desmesurado era
o ruído, o caos e o barulho infernal da reunião, que a vizinhança ofendida com
o evento decidiu chamar as autoridades para que a interrompessem. . . .
O testemunho de
Joseph Moulton, o delegado encarregado de prender Dammon, também é digno de
nota. Ele disse em tribunal: “Quando fui prender o prisioneiro, fecharam-me a
porta. Vendo que não podia alcançá-lo desde fora, forcei a porta. Cheguei até
onde estava o prisioneiro, o tomei pela mão, e lhe informei a que viera. Várias
mulheres saltaram e o rodearam–elas se agarraram a ele, e ele a elas. Tão
grande foi a resistência que eu e três ajudantes não pudemos tirá-lo. Permaneci
na casa e pedi mais ajuda; depois que esta chegou, fizemos uma segunda
tentativa, com o mesmo resultado—novamente pedi reforço—depois que chegou, os
vencemos e o tiramos detido. Tanto os homens como as mulheres ofereceram
resistência. Não posso descrever o lugar—era uma gritaria constante.” – Piscataquis
Farmer, 7 de mar. de 1845 (citado in Bruce Weaver, Adventist Currents,
“The Arrest and Trial of Israel Dammon”, Vol. 3, Nº. 1, 1988).
O testemunho
juramentado de Moulton indica claramente que foram a mulheres e os homens que
saltaram para ajudar a Dammon e o retiveram - e não o poder de Deus como
entendeu Ellen. E os testemunhos são unânimes nesta apreciação, pelo que não
restam dúvidas sobre o que deveras ocorreu. Se fosse o poder de Deus a cena não
teria acabado como terminou.
Depois de passar o
fim de semana na cárcere, Dammon compareceu a juízo na segunda-feira. A irmã
White diz o seguinte acerca de Dammon no julgamento: “Na hora do julgamento, o
Ancião D. estava presente. Um advogado ofereceu seus serviços. A acusação
contra o Ancião D. era de que havia alterado a ordem. Muitas testemunhas foram
trazidas para sustentar a acusação, mas em seguida seus testemunhos foram
desmentidos pelos dos conhecidos do Ancião D. que estavam presentes e que
também foram chamados a depor. Havia muita curiosidade por saber no que criam o
Ancião D. e seus amigos, e se lhes pediu para apresentar um resumo de sua fé.
Então ele lhes falou em tom claro de sua crença a partir das Escrituras. Também
sugeriu-se que cantassem algum de seus hinos, e a ele foi pedido que cantasse
um. Havia um bom número de vigorosos irmãos presentes que o haviam apoiado
durante o julgamento, e o acompanharam a cantar “When I was down in Egypt’s
land, I heard my Savior was at hand.” [Quando eu estava na terra do Egito, ouvi
que meu Salvador estava perto].Foi indagado ao Ancião D. se tinha uma esposa
espiritual. Ele respondeu que tinha uma esposa legal, e que podia dar graças a
Deus de que ela havia sido uma mulher muito espiritual desde que a havia
conhecido. Creio que as custas do processo lhe foram cobradas e foi posto em
liberdade.” – Spiritual Gifts, Vol. 2, pp. 41, 42, 1860.
O jornal Piscataquis
Farmer apresenta uma versão do processo um pouco diferente: foi Dammon que
“pediu permissão” para cantar. Durante a etapa de sentença do juízo, foi
permitido a Dammon falar em sua defesa. Note o que ele disse e sublinhe bem as
crendices daquela época (que foram igualmente as de Ellen White como já se
viu): “Ele [Dammon] argumentou que o dia de graça havia passado, que o número
de crentes era reduzido, mas que havia muitos ainda, e que o fim do mundo se
daria dentro de uma semana. Depois de consultar, o tribunal sentenciou ao
prisioneiro passar dez dias na Casa de Correção. . . .” – Piscataquis Farmer,
7 de mar. de 1845.
Israel Dammon, pelo
final de 1846 abandonou sua crença na porta fechada: “Estivemos relacionados
com o Sr. e a Sra. White, e por um tempo tivemos confiança nas visões dela, mas
por muitos anos não a temos tido em absoluto. Quando vimos que se contradiziam
entre si, renunciamos a elas por completo, e nos aplicamos à Palavra de Deus.
Passaram-se vinte anos ou mais desde que estivemos associados com a Sra. White.
Recordamos perfeitamente, porém, que suas primeiras visões ou sua primeira
visão foi contada tanto por ela mesma como por outros (especialmente pela Sra.
White) em relação com a prédica da ‘porta fechada’, e a fomos respaldar.
Enquanto estava sob essa influência, e pregando as visões, ela, em visão, viu
N. G. Reed e I. Dammon em estado imortal, coroados, no reino. Depois disso, ela
os viu finalmente perdidos. Como podiam ser verdade as duas coisas? Penso que
uma era tão verdade quanto a outra, e que Deus nunca lhe disse tal coisa.” –
Miles Grant, An Examination of Mrs. Ellen White’s Visions, Boston:
Advent Christian Publication Society, 1877.
Ellen White não
menciona que ele usou a “porta fechada” e o iminente regresso de Cristo como
parte de sua defesa. Dammon foi encarcerado. Ellen não refere nada acerca da
gritaria, das prostrações físicas, das demonstrações de humildade voluntária
(arrastar-se, latidos), etc. Sabemos porém que esse era o ambiente das reuniões
naqueles dias. Lucinda Burdick foi testemunha de muitas dessas reuniões ou
cultos. Ela diz-nos: “Quando os conheci pela primeira vez [Ellen e Tiago
White], eram exageradamente fanáticos—costumavam sentar-se no solo em vez de em
cadeiras, engatinhar pelo piso como criancinhas. Tais extravagâncias eram
consideradas sinais de humildade.” – Miles Grant, An Examination
of Mrs. Ellen White’s Visions, Boston: Advent Christian Publication
Society, 1877.
Ernesto Sarmento busca
explicar o problema desses excessos por um ângulo realista, porém, positivo:
Note bem os
excessos e as extravagâncias da época, mas não esqueça que o mais importante é
que houve posterior desenvolvimento espiritual e abandono dessas
infantilidades. Existiu crescimento espiritual. Se não somos capazes de
entender as coisas nesta perspectiva ou modelo (paradigma) bíblico, então
devemos obrigatoriamente renunciar a tudo o que Ellen jamais escreveu, e
francamente, isso seria uma atitude tola, precipitada e despropositada.
Infelizmente, isso é o que fazem os críticos. Mas, lamentavelmente a Igreja
tampouco tem uma postura clara, honrada e digna sobre o tema, pelo que muitos
bons crentes descarrilam ao aperceber-se de tudo isto. Incluso os críticos
privam-se de atitudes mais moderadas porque a Igreja tem atitudes infantis,
pouco éticas e desonradas.
John Doore
testemunhou no tribunal que tinha “visto homens e mulheres gatinhar pelo solo
sobre mãos e pés.” George S. Woodbury disse: “Minha esposa e Dammon passaram
pelo piso gatinhando sobre mãos e pés.”
O irmão Bruce
Weaver explica o que se passava nesses primeiros cultos adventistas: “Um
correspondente do Norway Advertiser oferece uma descrição do engatinhar
que teve lugar na casa do capitão John Megquier em Poland, Maine: ‘Raras vezes
se sentam em qualquer posição que não seja sobre o piso desnudo. . . . na
reunião a que ele assistiu, uma mulher se pôs sobre as mãos e pés, e engatinhou
por todo o piso como uma criança. Um homem, na mesma posição, a seguiu,
chocando-se cabeça com cabeça várias vezes. Outro homem se estendeu de costas
sobre a cama em toda sua extensão, e três mulheres o cruzaram com seus corpos.”
– Bruce Weaver, Adventist Currents.
Compare agora este
texto que acabou de ler com este outro escrito pela irmã Ellen em 1894, e
repare na maturidade desta última apreciação do culto cristão: “Cada parte do
serviço de Cristo se caracterizará pelo decoro e a reverência. A verdade de
Cristo não pode limitar-se a um certo âmbito, mas será ativa na criação do
ambiente, da conduta, dos hábitos, e das práticas que estarão em harmonia com
seu Autor. Tudo se fará decentemente e com ordem. Os métodos descontrolados, os
caprichos estranhos, e a confusão não estão autorizados pelo Deus de ordem.” –
Ellen White, Signs of the Times, 27 de agosto de 1894.
Eis aí uma Ellen
mais madura! Crescida, longe da infantilidade daqueles dias, mais perto do
modelo bíblico. Neste assunto, porque noutros continuava defeituosa como
pecadora que era. Tal é o caso das comidas e bebidas, em que mostrava um zelo
excessivo, uma vontade enorme, e contudo manducava arenque, galinha, veado e
especialmente ostras (carne impura) e o vício do vinagre (bomba alcoólica). . .
.
No princípio de sua carreira prevalecia a crença de que
gritar era um método eficaz para lutar contra o diabo. Assim, em 1850, a irmã
Ellen escreveu: “Vi que cantar amiúde afasta o inimigo, e gritar o faz
retroceder.” - Ellen White, Manuscript 5a, 1850; julho 1850,
de East Hamilton, N.Y. Mas, mais tarde, por volta de 1900, a irmã White já tem
um pensamento mais maduro e cristão acerca das reuniões ruidosas e escreve o
seguinte: “Dou meu testemunho, declarando que esses movimentos fanáticos, esse
barulho e confusão, foram inspirados pelo espírito de Satanás, que estava
operando milagres para enganar, se possível, os próprios escolhidos.” – Ellen
White ao Irmão e Irmã Haskell, 10 de outubro de 1900.
Vê como ela
evoluiu?
[Extraído do texto
disponibilizado no site www.adventistas.com,
Ernesto Sarmento, Ellen G. White: Os sonhos, as visões e os primeiros escritos (1844 -1851). O texto foi
submetido a ligeiros ajustes editoriais para estar mais próximo do português do
Brasil].
No livro A Mão de Deus ao
Leme, especialmente o capítulo 10, o autor Enoch de Oliveira busca
apresentar a experiência de Ellen G. White como sendo aquela dentre os líderes
adventistas dos primeiros tempos que
sempre combateu o fanatismo e salvou a igreja de mergulhar em extremismo. Como
o pesquisador Sarmento demonstra, isso é verdadeiro a partir de quando houve um
amadurecimento de sua experiência cristã. Contudo, a maneira triunfalista em
que tanto Enoch de Oliveira quanto o neto de Ellen G. White apresentam os fatos
não permite que se tenha um quadro completo da situação real. De centro do
fanatismo, em alguns casos, para combatente vigorosa do mesmo muitos episódios
estranhos tiveram que se passar nos primórdios de nossa história
denominacional.
Felizmente, apesar de um
início tumultuado e confuso, a Igreja Adventista do Sétimo Dia experimentou
finalmente o bom-senso no seu desenvolvimento histórico. Após o agitado período
dos primeiros tempos, cheios de marcação de datas para o fim, noções
equivocadas sobre o sentido do evangelho e práticas carismáticas como acima
descritas, a Igreja inclinou-se numa direção de equilíbrio e busca de progresso
material e espiritual mais condizente com o apelo de Pedro: “Crescei na graça e
no conhecimento de Nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo” (2 Pedro 3:18).